Um dia, conversando com um colega a propósito da gíria estudantil e mais propriamente sobre o termo “seca”, termo infelizmente tão badalado, tão frequentemente usado por muitos dos nossos estimados alunos, concluímos que muitas aulas, na perspetiva de alguns alunos, mais não são do que “secas”.
Aqui vos deixo este pequeno texto para todos pensarmos um pouco.
O que é “apanhar uma seca?”
Estar-se num sítio contrariado? Esperar durante três horas no consultório do dentista? Assistir a uma aula de um professor monótono?
Cada um tem a sua ideia de “seca” e todos nós apanhamos uma “seca” de vez em quando.
A maior parte das vezes, conformamo-nos com ela e passamos tempos infindáveis a rogar pragas e a pensar raios e coriscos, em estado de tensão e nervosismo. Após isso, normalmente, mudamos para outras situações do quotidiano e bastam umas horas para já nem nos lembrarmos daquele período exasperante.
Ao longo da nossa vida, são muitas as horas de desespero em que não nos divertimos, nem enchemos a barriga, nem namoramos, nem fazemos nada que nos dê gozo.
“Caramba, puxa, que grande seca!”
Ora pensem no cuidado de um cientista a observar o desenvolvimento de um fungo ao microscópio. Vejam como ele tira notas, apontamentos, contas e regista um movimento infinitesimal de um estafilococo (Gr. Staphylé, uva + Kókkos, graínha), s.m., nome genérico de certos germes que se apresentam reunidos em cachos. Ele desfruta do seu trabalho e até se diverte.
Visto de fora poder-se-á pensar: “Caramba, que seca!”, “passar horas a fio ao microscópio!”.
Mas, dentro da sua cabeça, desenvolvem-se esquemas, relações e constatam-se fenómenos magníficos da natureza!
Imaginem um velho chinês a pintar um pequeno vaso de três centímetros de altura com o seu pincel feito de um único pelo. Para um adolescente irrequieto e inconformado de uma sociedade ocidental, isto é uma visão que até faz comichão! No ponto de vista de um chinês, isto é um trabalho que engrandece a alma. Aliás, para ele, este labor meticuloso é uma arte que faz parte da vida e que é altamente conceituado na sua comunidade (e não só).
O que pretendo dizer, é que uma “seca” é sem dúvida um sentimento muito relativo.
O rapaz irritado, que aguarda a sua vez na sala de espera do consultório do médico, pode desejar que aquele momento se prolongue para sempre, se à sua frente se sentar aquela moça bonita e que lhe parece ser a rapariga dos seus sonhos.
A “seca” pode passar a uma revelação surpreendente se, por vezes, nos disponibilizarmos para perceber para além das aparências ou se enfrentarmos as situações com alguma criatividade, otimismo e empatia.
Desse modo, creio que isso da “seca” é mesmo uma grande treta, porque “seca” somos nós próprios que a criamos, quando não aproveitamos os momentos fantásticos da nossa vida.
Acalmar, respirar fundo, olhar outra vez para as coisas e ver como “aquilo” até pode ser “giro”.
Penso, por isso, que reconhecer uma pessoa noutro olhar, para lá da fachada do professor “casmurro” que te aparece à frente, é um desafio.
Tentar compreender porque é que alguém se dedicou tanto e levou tão longe o gosto pela disciplina que tu, aparentemente, detestas, não é tarefa fácil.
Perceber porque é que cada um de nós é tão especial e que todos somos únicos, pode exigir algum esforço, mas compensa, e as tuas horas deixarão de ser tão inúteis.
Quando, no fim do dia, chegardes a casa, meus caros alunos, enfiai os headphones na carola, com “aquele tema musical especial”, volume no máximo, e olhai que arrumar o vosso próprio quarto até pode ser muito divertido.
Eduardo Teixeira
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